Descomplicar, desembolar, desenvolver

Entre sonhar e realizar, o futuro da habitação precisa de sintonia

Por Eduardo Fischer*

O déficit habitacional existe por todo o mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos. Fatores históricos, crescimento desordenado das cidades, mudanças comportamentais, conjuntura econômica e política contribuem para uma situação que conhecemos bem: há mais gente querendo morar do que habitação ao alcance dessas pessoas. E a expressão “sonho da casa própria”, tão repetida, tem um sentido profundo que não pode se perder: “casa” é muito mais do que terreno e paredes; é apenas a dimensão mais palpável de algo maior — a ideia de lar. Um imóvel materializa esse sonho se realizando.

Eu acredito que os sonhos das pessoas devem sempre ser levados muito a sério, em especial esse. É por isso que o acesso à habitação é uma questão tão presente e tão importante. Hoje, especialmente, vivemos um momento desafiador — preços subindo, aumento no custo para construir, condições econômicas da população menos favoráveis, o fosso social que se agrava. O impacto disso no mercado habitacional é decisivo e preocupante: o acesso à moradia fica mais difícil; entre sonhar e realizar, o caminho é mais longo.

Isso não é “exclusividade” brasileira, claro. Mas é interessante observar como em outros países se encontram soluções inteligentes para diminuir essa distância e superar os obstáculos — com frequência, tenho a oportunidade de estar em contato com projetos e programas habitacionais ao redor do mundo, e com práticas inspiradoras. De políticas públicas a tecnologias e processos de produção inovadores, vejo iniciativas criativas, sustentáveis, disruptivas mesmo — como a aplicação de técnicas de construção rápida na Suécia, ou a estratégia de dispersão da habitação social na França, com os princípios de “densidade, diversidade e eficiência energética” regendo a construção nas novas zonas urbanizáveis das cidades. Ainda que os exemplos bem-sucedidos aconteçam em outros contextos específicos, os aprendizados são muitos.

Sabemos que produtividade é um fator chave no custo das habitações acessíveis. Sabemos também que os mecanismos de acesso a essas habitações precisam estar conectados às reais condições e necessidades da população. Sabemos que a legislação relacionada com a construção dessas moradias precisa jogar a favor. Então, o que falta para fazer acontecer?

A reflexão é, de certa forma, urgente: entendo que o próximo grande problema social do mundo é a habitação — e no Brasil não será diferente.

Por aqui, além do momento especialmente desafiador, lidamos com diversas outras pedras no caminho do sonho à realização da conquista do lar. Em especial, com o que costumamos generalizar como “burocracia”: processos morosos, legislação desencontrada nas diversas esferas governamentais. Essa falta de padronização é um grande desafio adicional, e se intensifica quando se trata de moradia para população de baixa renda.

Da demora para a emissão de alvarás até os diferentes requisitos a serem cumpridos em cada localidade, é um contexto que em geral desfavorece a escalabilidade, a redução de custos, a oferta ampla e acessível e a agilidade. Tudo isso fragiliza a segurança de empreender e realizar no segmento da habitação.

Gosto de imaginar um quadro bem diferente desse, em que a palavra de ordem é sintonia, e gosto de imaginar o que é preciso para chegar lá. Sei que é uma visão ambiciosa, mas possível — e a chave para ela passa por um pacto social em torno da habitação, muito mais abrangente do que é hoje, que possa favorecer ao longo dos anos a conquista do lar pelos brasileiros. Afinal, o mercado não vai resolver sozinho, as leis não vão resolver sozinhas, as pessoas não vão resolver sozinhas.

Entendo que esse pacto social toma forma a partir de movimentos coordenados dos diversos agentes envolvidos — com pensamento sistêmico dos aspectos regulatórios; com maior nivelamento da legislação nos níveis federal, estadual e municipal; com a aderência de instituições e organizações; com o diálogo constante, contemplando tanto a ponta da oferta de produtos como a ponta da demanda habitacional e encurtando também a distância entre elas. Enfim, sintonia, que vai criar uma engrenagem azeitada para expandir o acesso ao mesmo tempo em que torna possível a disponibilização das moradias de forma ampla.

Não é difícil concordar que, para quem sonha com sua casa, é melhor ter um produto de qualidade, dentro da legislação, viável financeiramente, do que qualquer solução instável ou irregular. As dificuldades e demoras fazem com que, em última instância, as famílias percam a chance de ter seu lar de forma estruturada — porque quando uma família precisa de um lar, ela vai dar um jeito, ainda que não seja pelas vias formais. Para evitar que isso aconteça, governos, empresas e sociedade têm que estar preparados e comprometidos a responder a essa demanda, que é muito real e só tende a crescer. E todos têm a ganhar com uma evolução positiva desse cenário.

Que tal padronizar as regras para quem produz habitação em escala? Que tal simplificar os mecanismos, potencializando o interesse local em aderir a programas habitacionais de abrangência nacional? E se houver mais incentivo a processos produtivos inovadores, que aceleram e barateiam a construção de qualidade?

Descomplicar, desembolar, desenvolver, para aprimorar a execução e multiplicar o acesso. São muitas as ideias, e quanto mais gente pensar nisso, mais perto da realização do sonho chegaremos. Vamos conversar?

Sobre Eduardo Fischer*

Eduardo Fischer é o atual copresidente da MRV, maior construtora e incorporadora da América Latina, e presidente do Instituto MRV, instituição criada para garantir o compromisso da empresa com um país mais solidário e sustentável por meio de investimentos em projetos educacionais. Com uma carreira inteiramente dedicada à construção civil, Fischer começou sua trajetória, em 1993, como estagiário na MRV e, ao longo dos anos, ocupou os cargos de engenheiro de obras e coordenador de obras. Em 2010, foi eleito pelo Conselho de Administração da companhia para o cargo de Diretor Executivo Regional. E, em 2014, novamente através do Conselho de Administração, foi nomeado presidente da MRV, cargo que ocupa até hoje. Após quase três décadas de atuação no setor, acumula larga experiência no mercado imobiliário, contribuindo para a redução do déficit habitacional no país. Possui formação em Engenharia Civil pela Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) e MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).