“ABC será fortemente impactado pela nova política industrial”, avalia Aroaldo Silva

Cerimônia em que Lula lançou a política ocorreu em 22 de janeiro | Foto: Divulgação

Por Vitor Lima

Em 22 de janeiro, foi lançado em Brasília a Nova Industria Brasil (NIB), programa do governo federal cujo objetivo é alavancar a atividade industrial brasileira até 2033. Na opinião do presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico Grande ABC (AGABC), Aroaldo da Silva, o “ABC será fortemente impactado” pelo programa.

O projeto prevê destinar R$ 300 bilhões no setor – a maior fatia do montante deve ser oriunda de financiamentos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A nova política tem seis missões relacionadas à ampliação da autonomia, à transição ecológica e à modernização do parque industrial brasileiro. Entre os setores que receberão atenção, estão a agroindústria, a saúde, a infraestrutura urbana, a tecnologia da informação, a bioeconomia e a defesa.

Mais informações sobre as missões, metas e outros pontos do programa podem ser conferidos aqui.

Aroaldo, que esteve presente na cerimônia de lançamento do NIB e participou de discussões sobre o escopo do programa, detalhou em entrevista ao portal Negócios em Movimento as possibilidades que o ABC possui para impulsionar o desenvolvimento econômico da região a partir da nova política industrial.

“Teremos consequências positivas no ABC, seja na geração de emprego, no aumento do volume de produção ou no aumento de produtividade com a digitalização. O ABC vai ser fortemente impactado”

Na avaliação do presidente, setores já consolidados na região, como o automotivo e o químico, serão beneficiados. Mas Aroaldo destacou que o programa também abre portas para o crescimento de outros setores no ABC, como o de Defesa e de Saúde.

Ele, que também preside a IndustriALL, entidade ligada ao movimento sindical, elogiou a participação da sociedade civil na construção do NIB.

Confira a entrevista abaixo:

Negócios em Movimento (NM): Um dos problemas apontados por críticos da NIB é de que o acesso a linhas de crédito no BNDES deve ficar restrito para as grandes companhias. O sr. entende que as pequenas e médias indústrias realmente encontrarão essa dificuldade? No caso específico das empresas do ABC, a Agência tem condições de atuar como uma facilitadora?

Aroaldo, presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, participou do lançamento do NIB | Foto: Divulgação

Aroaldo Silva: Nos governos anteriores o BNDES foi desmontado, descapitalizado. Então, se restringiu muito o acesso ao crédito. O foco do banco começou a mudar do fomento, do financiamento, para dar só suporte técnico. Agora, no governo Lula, com a Presidência do (Aloizio) Mercadante, é que começa de novo a pensar no aumento da capitalização do banco para poder estender as linhas de crédito, pensando novas modalidades de crédito.

De fato, nos últimos anos, as PMEs e até algumas médias empresas tiveram dificuldade a ter acesso ao banco, mas a gente vem dialogando com o governo federal. 

No último período a AGABC vem discutido com o BNDES, inclusive com um termo de cooperação, trabalhado nessa aproximação das PMEs da região com o órgão.

O próprio banco está revendo algumas linhas de crédito, algumas linhas de financiamento e o governo vem trabalhando sobre a volta do cartão BNDES, que é o jeito de aproximar e dar mais facilidade aos micro e pequenos. Então, tem um conjunto de ações que estão sendo trabalhadas neste momento para tentar diminuir este distanciamento. 

NM: O sr. representa o ABC via Agência e o movimento sindical via IndustriALL e em conversas que tivemos em anos anteriores o sr. relatava a dificuldade em ser recebido e dialogar com a antiga gestão do governo federal. Independente dos erros e acertos da NIB, como o senhor avalia o processo que resultou na elaboração dessa nova política industrial? Houve a participação efetiva da sociedade na construção da NIB?

AS: É importante destacar a volta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, no ano passado, que é a participação direta da sociedade civil. Além de representantes dos setores industriais tem representantes dos trabalhadores, de outros segmentos, universidades, o próprio Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) vem participando desse conselho. Tem a volta, de fato, da participação da sociedade na confecção de políticas públicas. 

“Tem a participação efetiva da sociedade nessa construção” 

Além do NIB, dentro do próprio governo na discussão da política industrial, tem o “Conselhão” (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável), que tem uma ampla participação da sociedade civil e também tem a oportunidade de discutir sobre a política industrial.

O governo reativou diversas câmaras de debates setoriais, fóruns, voltou a ter no a preocupação de não construir a política pública de forma isolada, com somente o Executivo decidindo. Então tem uma interação muito maior em todas as discussões da sociedade civil na construção das políticas públicas. Tem a participação efetiva da sociedade nessa construção.

No ABC, o presidente está promovendo debates sobre a NIB para apresentar detalhes do programa | Foto: Divulgação

NM: Como o sr. projeta que o ABC será impactado pelo NIB?

AS: O ABC pode ser muio impactado. A gente tem setores maduros industrialmente, somos uma região referência em alguns setores industriais, então, por consequência, na hora que ela começar a ser implementada, o ABC vai ser impactado, inevitavelmente.

Na hora de pensa toda a discussão da mobilidade urbana, a gente tem um setor automotivo aqui importante, inclusive de transporte coletivo. Somos referência na fabricação de ônibus no Brasil. Na hora de pensar a logística, aqui a gente é impactado com a nossa produção de caminhões. 

A gente tem um Polo Petroquímico, que é a mãe de todas as indústrias, que fornece para diversos setores. Na hora que for reconfigurado, seja para o processo de transição energética, descarbonização, novos materiais, o ABC é impactado fortemente.

E, principalmente, porque durante essa discussão da política industrial a gente fez questão de insistir com o governo nas diretrizes dessa política que os territórios já maduros industrialmente terem uma atenção especial. 

Porque as vezes você fala da nova política industrial, da NIB, ou como vinha sendo chamada, a “neoindustrialização”, todo mundo pensa em novos territórios. É necessário passar por novos territórios, mas não esquecermos dos territórios já consolidados. Insistimos muito com o governo federa para isso.

Teremos consequências positivas no ABC, seja na geração de emprego, no aumento do volume de produção ou no aumento de produtividade com a digitalização. O ABC vai ser fortemente impactado.

NM: Vários governos anteriores, quase todos, apostaram em programas destinados ao crescimento da indústria automotiva, o que em alguns casos resultaram em benefícios para o ABC. Não é o caso do NIB, que me parece ser um programa mais abrangente. O sr. acredita que essa nova política industrial tem força suficiente para impulsionar, ainda mais, a diversificação industrial na região? Se sim, quais setores tendem a crescer no ABC a partir da NIB?

AS: A gente tem diversas oportunidades. Na missão 3, tem a ver com o bem estar das cidades, a gente é impactado diretamente na questão da mobilidade e da infraestrutura. 

Na missão 4, que é a digitalização, a gente precisa de fato dar um salto tecnológico e elevar nossas empresas para nova realidade tecnológica. A gente vai ser muito impactado, principalmente as micro, pequenas e algumas médias podem ter uma alavancagem na produtividade com a digitalização. 

“A gente tem uma capacidade produtiva que a gente pode reconverter para área da Saúde”

Mas a gente tem a oportunidade em setores específicos. Na missão 2, do complexo econômico industrial da Saúde, a gente tem um potencial muito grande. Nesse momento a gente tem um projeto junto com a UFABC (Universidade Federal do ABC) de reconversão industrial. A gente tem uma capacidade produtiva que a gente pode reconverter para área da Saúde. A gente tem know-how, a gente tem técnica, tecnologia para fazer essa reconversão. 

E sempre lembrando: Santo André é a segunda cidade do estado de São Paulo em equipamentos de saúde, só perde para a capital. São Caetano vem capitaneando investimentos tecnológicos na área de saúde, em exames laboratoriais, em análises clínicas. A gente tem potencial e estamos discutindo a possibilidade de um APL de Saúde aqui na região. 

Outra área que a gente tem oportunidade é na Defesa. A gente conseguiu no passado organizar um APL de Defesa na região, capitaneamos o investimento de parte do processo produtivo do Gripen em São Bernardo, mas dialogamos em outros projetos estratégicos, como o submarino de propulsão nuclear. Então a gente tem uma capacidade imensa aqui para dialogar com a missão 6, que são as tecnologias de Defesa e de Soberania Nacional.

São oportunidades no ABC, diversos setores podem ser contemplados e a gente tem a capacidade de dialogar com a nova política industrial.

7 de fevereiro de 2024